MONTEVIDÉU, Uruguai – Durante décadas, Gabriel Pintos e sua família de pecuaristas olharam com respeito para a Argentina, no outro lado do rio da Prata, com sua legendária tradição de produtores de carne. Mas, agora, observando sua fazenda de 78 hectares, Pintos exala um novo vigor competitivo. "Hoje o Uruguai tem maturidade para competir com qualquer parte do mundo com sua carne", disse Pintos, 51. "Esta é uma oportunidade histórica para nós." Durante mais de um século, a Argentina se destacou por produzir uma carne mais saudável e natural que a da maior parte do mundo. Os bois pastavam à vontade pelo rico solo do pampa úmido, alimentando-se de capim verde, e não dos cereais oferecidos nos currais lotados da indústria americana, mais intensiva. Mas essa imagem poderá se tornar uma memória de uma era passada. As decisões políticas na Argentina estão mudando o sabor do famoso bife argentino e ameaçam prejudicar sua mundialmente renomada indústria de carne. As mudanças afastaram os investidores, reduziram o tamanho do rebanho da Argentina e deram a seu pequeno vizinho, o Uruguai, a oportunidade de capitalizar as dificuldades argentinas e intitular-se a "última grande fazenda" de gado saudável, alimentado no pasto. De certa maneira, a Argentina é vítima de seu próprio sucesso. As exportações cresceram depois de uma forte desvalorização do peso, em 2002, que tornou o país mais competitivo globalmente. No entanto, o suprimento começou a secar para os consumidores locais, fazendo os preços subirem e aumentando o descontentamento social.
Por isso, em 2006, o então presidente Néstor Kirchner (2003-2007) reagiu com uma proibição de 180 dias às exportações, para conter os preços. Mais tarde, ele tabelou os preços de certos cortes populares, como o rosbife, o que levou os argentinos a comerem ainda mais carne. Mas, diante de uma seca prolongada neste ano e de preocupações sobre seus lucros, muitos pecuaristas estão transformando os pastos em terra para plantar soja. Hoje, os incentivos do governo para engordar o gado mais depressa estão aumentando a tendência ao uso de grãos como milho e aveia, em currais muitas vezes lotados, abrindo caminho para que o Uruguai reivindique a vantagem da alimentação no pasto. Mas o Uruguai lutou para competir com a reputação global da Argentina. Alejandro Berrutti, negociante de carne em Montevidéu, lembrou seus esforços frustrados de introduzir a carne uruguaia no mercado da Dinamarca neste ano. Em um supermercado de Copenhague, a carne argentina era classificada como a melhor do mundo, mas os funcionários nunca tinham ouvido falar em uma equivalente uruguaia, ele disse. Ao mesmo tempo, os grandes investidores em carne começaram a apostar nas políticas mais pró-mercado do Uruguai. Terry Johnson, dono da BPU Meat, está investindo US$ 150 milhões no país, inclusive em uma fábrica que deverá ser inaugurada em janeiro e poderá processar 1,5 mil cabeças de gado em um turno de oito horas. Johnson, que é britânico, vendeu fábricas na Argentina e no Brasil em 2006 para se concentrar no Uruguai. "Seja qual for o motivo, o governo argentino tentou pôr o agronegócio de joelhos", disse Johnson. "O rebanho está encolhendo, os preços da terra caíram. Qualquer um que tenha alguma coisa a ver com gado quer sair. O Uruguai oferece uma oportunidade de se fazer as coisas direito." Colaborou Charles Newbery, em Buenos Aires Folha de São Paulo Autor: Por ALEXEI BARRIONUEVO