Fundos, que chegaram a negociar 57 milhões de toneladas em junho, hoje têm posições de 46,5 milhões de toneladas. Os fundos de investimentos, que inflaram os preços das commodities neste ano, estão saindo dos mercados agrícolas futuros. Atrás dessa saída fica um rastro de preços baixos e perspectivas ruins para os produtores, principalmente para os brasileiros, que estão prestes a iniciar o plantio de verão. Nos últimos 30 dias, os preços dos grãos vêm despencando na Bolsa de commodities de Chicago, principal formadora dos preços internacionais dos produtos agrícolas. Com essa queda, os produtores de soja de Mato Grosso, que tinham perspectivas de ganhar R$ 400 por hectare há 30 dias, quando o mercado atingiu preços recordes, vêem um cenário de perda de R$ 100 por hectare. A queda leva os produtores agrícolas do céu para o inferno. Além de amargar preços baixos e real valorizado, os custos de produção foram recordes nesta safra. O custo dos fertilizantes dobrou, e as empresas de insumos aproveitaram as até então boas perspectivas de preços para repor margens. Sem preços para seus produtos e custos elevados, as contas de muitos produtores não vão fechar. Na avaliação deles, a situação no campo pode voltar aos período de dois anos atrás, de crise generalizada. Os fundos não são os únicos responsáveis por essa queda das commodities, mas a atuação deles é importante. Fernando Muraro, da consultoria Agência Rural, diz que só na semana passada eles "venderam" 4 milhões de toneladas de soja, o que ajuda a derrubar os preços. Essa saída dos fundos do mercado de commodities vem se acentuando, já que desde o início de julho, as vendas acumuladas eram de 7,4 milhões de toneladas. A posição atual dos fundos de investimentos é de 46,5 milhões de toneladas de soja, abaixo do recorde de 57 milhões de junho, conforme acompanhamento da AgRural. No caso do milho, as vendas somam 14,4 milhões de toneladas desde o início de julho, com o total de participação desses fundos no mercado se reduzindo a 29 milhões de toneladas. Chegou a 50 milhões no ano passado. Estoques baixos Sem incentivos para o plantio, os produtores brasileiros devem deixar de ocupar áreas antes programadas para o cultivo, retardando a recomposição dos estoques mundiais de grãos. Os baixos estoques são parte importante da inflação de alimentos que afeta todo o planeta, também impulsionada justamente pela especulação dos investidores financeiros. "Essa conta deve ser paga também pelo resto do mundo, via elevação de preços", segundo avaliação de José Pitoli, da Coopermibra, cooperativa do noroeste do Paraná. Muraro, da AgRural, diz que "o cenário mudou". Os motivos extracampo são a queda do petróleo, que reduz a atratividade dos investimentos em commodities como um todo, a valorização do dólar, que encarece a negociação dos produtos, e as perspectivas de crescimento menor da economia, que pode reduzir a demanda. Já no campo, as perspectivas atuais de produção nos EUAs são bem diferentes das de algumas semanas atrás, quando a situação estava bastante indefinida devido às enchentes no Meio-Oeste, principal área de produção de grãos do país. Dados de ontem do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) indicam uma boa safra. Com isso, o cenário de oferta e demanda, embora ainda apertado, fica mais folgado para a safra 2008/9, segundo Muraro. Carlos Cesar Nespolo, produtor de Campo de Mourão (PR), afirma que "este será um ano perigoso". Apesar de ter as contas em dia, Nespolo diz que "os investimentos para esta safra foram muito elevados, os custos dobraram". Diante desse cenário adverso, o produtor teme pela produtividade. "Vamos ter de diminuir os investimentos [com adubos, herbicidas, diesel etc.] tentando interferir o mínimo possível na produtividade", diz Nespolo. Nas condições atuais, o plantio não se viabiliza em Goiás e Mato Grosso, diz o produtor. Além de uma perspectiva de ganhos menores, e em muitos casos até prejuízo, o produtor não tem acesso ao crédito colocado à disposição pelo governo devido a dívidas anteriores. "Muita gente, se vender tudo não paga as dívidas", diz Nespolo. "Se antes já era difícil a obtenção de crédito, imagine agora", acrescenta. "Alguém vai acabar pagando essa conta, que deveria ser mandada para os fundos de investimentos que participaram do mercado de commodities agrícolas", diz Pitoli. Indefinidos A perspectiva de perda de R$ 100 por hectare para o produtor de Mato Grosso será um grande desestímulo, e a área prevista de plantio de soja -próximo de 22,5 milhões de hectares- não deverá ser ocupada, na avaliação de Muraro. A bolha das commodities de 2008 estourou, mas com esse cenário de preços baixos e redução de plantio está se construindo a de 2009, mas sem a participação dos fundos, segundo Muraro. "Sem o estímulo do preço para 2009, a área de produção não cresce e teremos mais um cenário de alta em 2009", segundo ele. Os produtores que compraram os insumos antecipadamente e "travaram os preços" -ou seja, já acertaram os valores de vendas de seus produtos-, vão ter lucro. Os que compraram os insumos, mas não "travaram os preços", vão apenas empatar. Já os que ainda não fizeram nenhuma dessas opções, provavelmente não vão nem plantar porque o prejuízo é certo, diz Pitoli. Preço não cai A financeirização das commodities teve custo direto também aos consumidores. Pitoli diz que a tonelada de trigo, que chegou a ser negociada a R$ 850, está em R$ 550, mas essa queda ainda não foi sentida nos preços do pãozinho. Nas contas da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) o pão francês acumula alta de 30,4% nos últimos 12 meses, contra uma inflação de 6%. A Fipe indica, no entanto, que o produto vem registrando taxas muito menores de alta. Em abril, a elevação do pãozinho foi de 9%. Nas últimas quatro semanas foi de 0,25%, conforme dados divulgados ontem pela instituição. Outros produtos, como o óleo de soja, já começam a cair -menos 0,26% em julho-, mas ainda acumula 53% de alta em 12 meses.